A primeira parte da série da Layback dedicada exclusivamente às lajes mais cascudas do Rio, traz três picos que, até recentemente, nunca haviam sido desbravados em todo seu potencial. Nos seus dias grandes, a Laje de Manitiba, a Laje do Forte e a Laje da Ilha Mãe são as ondas mais insanas para se surfar no Rio de Janeiro. Praticamente impossíveis de serem surfadas sem a ajuda de um jet ski, a logística necessária para o acesso a essas lajes também é considerável, o que faz com que cada investida se torne uma aventura memorável.
Tudo começou no início de 2009, quando a mais antiga dupla de tow-in do Brasil, Carlos Burle e Eraldo Gueiros, deu início a um projeto de mapear e surfar as lajes mais cascudas do Brasil em conjunto com a Red Bull, patrocinadora de Burle. A empreitada começou pelos arredores do Rio. Até então, a maioria das lajes da região só haviam sido exploradas por bodyboarders e apenas duas delas surfadas em dias grandes. A Laje do Sheraton, que há muitos anos é surfada na remada, e a laje da Ilha Mãe, onde Burle, Eraldo e Marcelo Trekinho fizeram uma sessão de tow-in em 2006, durante as filmagens do longa “Surf Adventures 2”.
Laje de Manitiba
Os pernambucanos haviam acabado de retornar da temporada havaiana quando um ciclone extratropical, formado próximo à costa do Atlântico, gerou uma grande ondulação na região sudeste do Brasil, prevista para ter o seu auge no feriado da Páscoa. Naquela ocasião, eu estava trabalhando com a dupla e tive o prazer de participar de toda a concepção da expedição e fazer parte da equipe que passou cinco dias em Saquarema, monitorando diariamente as condições da Laje de Manitiba, localizada a aproximadamente 200 metros da praia de Jaconé. Também estavam naquela barca o fotógrafo Rick Werneck, o big rider Ylan Blank, além dos locais Patrick Reis e Marcos Monteiro, que posteriormente despontou no cenário internacional das ondas grandes.
Além de momentos irados com amigos em Saquarema, aquela trip rendeu um dia histórico, com ondas que passaram dos 10 pés na Laje de Manitiba. Eu nunca havia presenciado algo parecido no Brasil. Um dia de sol perfeito, com água cristalina e uma ressaca cabulosa no quintal de casa. Os registros de Rick Werneck foram destaque em uma matéria de capa da revista Fluir e, posteriormente, no site norte-americano Surfline, com uma matéria intitulada “Brazilian Teahupoo?”, que rendeu mais de 36 mil visitas.
Depois disso, além de Burle e Eraldo, outros surfistas se movimentaram para monitorar grandes swells e encarar as diversas lajes propícias a receber grandes ondulações na costa do Rio. Felipe “Gordo” Cesarano, Marcelo Trekinho, Nelson Pinto, Ian Cosenza, Paulo Curi, Stephan Figueiredo, entre outros, não tiram os olhos dos mapas de previsões e mantêm seus jets sempre a postos.
Laje do Forte
Com este contingente de peso à espreita e a grande quantidade de swells que a Cidade Maravilhosa recebe, outras sessões históricas nas lajes do Rio se sucederam, como a primeira vez na Laje do Forte, situada na entrada da Baía de Guanabara, bem próximo ao morro da Urca, famoso cartão postal da cidade. Mais uma vez, tive o prazer de estar presente na cobertura daquela ação, em abril de 2010, para uma matéria exclusiva na revista Surfar. Naquela sexta-feira, morras até então inimagináveis, foram surfadas em plena baía por Gordo, Trekinho, Cosenza, Nelsinho, Burle e Eraldo.
A visão das ondulações gigantescas entrando na Baía de Guanabara, marchando imponentes até encontrarem a superfície rasa da laje e quebrarem com uma força descomunal, me deixou fascinado. Tive o privilégio de assistir boa parte da sessão de camarote, em uma estradinha frontal à Laje, no Forte de São João, zona militar restrita bem ao lado do Pão de Açúcar.
Laje da Ilha Mãe
Logo em seguida foi a vez da Laje da Ilha Mãe – próximo a praia de Itaipu, em Niterói – que voltou a ser o centro das atenções quando um swell de leste, ainda maior do que aquele surfado por Burle, Eraldo e Trekinho, deixou o pico “over control”. As bombas dessa sessão – que contou com Danilo Couto, Rodrigo Resende, Ylan Blank, Bruno Santos, novamente Trekinho e mais alguns bodyboarders, fizeram a laje ser destaque em diversas revistas especializadas do Brasil, além de figurar novamente no Surfline.
O fotógrafo Gustavo Camarão, que mora em Niterói e conhece bem o pico, estava na missão de registrar a sessão na Ilha Mãe de um pequeno barco, posicionado no canal. Camarão já surfou e fotografou o local diversas vezes, mas nunca havia visto nada parecido com o que presenciou naquela segunda-feira.
“De todas as vezes em que eu estive na Ilha Mãe, esse certamente foi o mais cascudo que presenciei. Para falar a verdade, fui sem grandes expectativas, pois o pico do swell (segundo os mapas de previsões) tinha sido no dia anterior. Sabe quando você vai surfar mas sabe que o dia bom mesmo foi o que antecedeu? Então, fui nesse dia pra Ilha Mãe assim… Mas nos primeiros dois minutos de session entrou essa bomba que o Trekinho pegou… Eu fiquei pensando comigo: acho que o swell atrasou! (risos). Foi um dia animal!”.
– Gustavo Camarão.
Com grande kilometragem em ondas cabulosas pelo mundo, o campeão mundial de tow-in Rodrigo Resende disse que a onda da Ilha Mãe é ainda mais sinistra de ser dropada do que Teahupoo, no Tahiti.
“Não tem muita comparação com Teahupoo. O drop em Teahupoo é razoavelmente fácil, enquanto na Ilha Mãe, o drop é muito mais rápido e perigoso, porque é todo irregular. Uma vez lá dentro, até lembra um pouco um Teahupoo pra direita. Aquela onda é a onda que eu sempre quis aqui no Rio, um tubo seco e animal”.
– Rodrigo Resende
O insano bodyboarder de Niterói Dudu Pedra foi o mais atirado nesta sessão, no meio de tantos outros cascas-grossas como Guilherme Corrêa, Português Porkito e o campeão mundial Paulo Barcellos. Assim como o Monster, Dudu ressaltou a enorme dificuldade de se dropar a onda da Ilha Mãe.
“Vou na Ilha Mãe desde moleque e, até então, já tinha dado uma desmotivada com o pico. Já havia chegado lá muitas vezes com ondas rodando somente no drop e depois enchendo rápido. Sabe quando um brinquedo perde a graça? Tipo isso! Mas dessa vez o swell marcava que entraria enorme e de leste, que é a direção perfeita para aquela onda. Fui numa de ver se o pico realmente funcionaria com ondas grandes, como sempre sonhamos. Não deu outra, redescrobrimos uma onda perfeita em condições extremas, do lado de casa! O drop dessa onda é o mais sinistro que já ví. Quando ela cresce lá trás, você tem que remar pra base da onda e tentar se agarrar ao máximo na parede. Sendo que a correnteza nessas condições é tão forte, que não te deixa parado no pico em nenhum instante”.
– Dudu Pedra
Já Ylan Blank, que esteve presente as sessões nas lajes de Manitiba e Ilha Mãe, fez uma breve comparação dos dois picos, nos seus maiores dias.
“A Laje da Ilha Mãe é um pico poderoso, grande, pesado e tubular. É difícil eleger uma melhor, mas acredito que na Ilha Mãe a onda seja mais perfeita, apesar de menos constante e de ter aquela sessão que suga muito no tubo. Mesmo assim, acho mais possível de se completar tubos profundos na Ilha Mãe. O peso das ondas é parecido, porém, em Manitiba o fato da onda ser muito mutante, com varios lips, deixa o tubo muito imprevisível. Muitas vezes a prancha descola da água, saindo do trilho, pelos bumps e lips surpresas. Algumas ondas também te amassam no final, pois a laje acaba. Já na Ilha Mãe, a laje é bem extensa e o tubo não te esmaga com tanta facilidade. Mas isso não quer dizer que seja fácil de se entubar ali, muito pelo contrário. Enfim, na Ilha Mãe acho que a onda é mais perfeita, e em Manitiba mais perigosa e temperamental”.
– Ylan Blank
Marcelo Trekinho, que também marcou presença nas sessões das lajes da Fortaleza do Forte e Ilha Mãe, fez questão de finalizar mencioando o grande potencial do Rio, conhecido mundialmente pelas marolas de seus beachbreaks.
“Existem tantas lajes aqui no Rio. Algumas delas nunca surfadas. O litoral carioca recebe muita ondulação no inverno e teremos novos picos sendo descobertos em breve”.
– Marcelo Trekinho
Na segunda parte da série RIO SLABS, a pedrada continua com mais lajes insanas como Sheraton e Castelinho. Até lá!